Por Júlio Resende Duarte
Ontem, dia 22 de maio de 2019, as redes sociais debateram amplamente a iniciativa ‘Adoção na Passarela’, da competente instituição mato-grossense Ampara. Entretanto, é importante refletir que, para além de um espaço de diálogos, usuários da rede ainda a confundem como um local de julgamento. É por isso que utilizo aqui a expressão Tribunal do Feicebuqui, criada pelo Tom Zé como título de uma de suas canções. Ao invés de compreender a internet como a maior e mais incrível roda de diálogos já inventada pela humanidade, formada hoje por cerca de 4,3 bilhões de terráqueos (56% da pop. mundial), muitas pessoas estão tentando transformá-la, de maneira ansiosa e precoce, em um tribunal de julgamento social.
Mantenho meu otimismo com relação ao futuro do Brasil e da humanidade e entendo que ontem foi mais um dia importante de terapia coletiva e aprofundamento dos diálogos sobre o tema da Adoção, que é tão urgente e relevante para nossa coletividade. Acho que tanto a causa quanto a associação Ampara saíram fortalecidos porque puderam mostrar o lindo e competente trabalho que vem sido feito em prol das crianças vulnerabilizadas, abandonadas pelo Estado ausente e por uma Sociedade omissa.
O mais interessante desse episódio é que quem a rede escolheu para sentar no banco dos réus foi exatamente a Ampara, uma espécie de herói nacional, quando quem deveria sentar nesta cadeira era o Estado e a própria Sociedade. Que me desculpem os pilotos de fórmula 1 e jogadores de futebol, mas, ao meu ver, herói é aquele que se dedica diariamente a transformar a vida das pessoas e contribui para a criação de sociedades mais justas, pacíficas e equilibradas.
Apesar de criticado por todos os lados, tive a oportunidade de participar do Tribunal do Feicebuqui como testemunha da defesa e o fiz com muita honra. Entendo que o herói-Ampara e a causa da adoção saíram fortalecidos do julgamento. O que os críticos não colocaram na conta é que eles não estavam julgando um presidente que corta verbas da educação ou um policial que atira em veículo de inocentes, mas uma entidade que transforma a vida de centenas de famílias e, principalmente, de crianças. Vale lembrar aqui que o menino que sobreviveu à chacina da Candelária foi exatamente o que disparou sua raiva e sua arma no ônibus 174. Agora reflita: e se ele tivesse sido devidamente amparado pelo Estado e conseguido uma família adotiva antes de habitar as ruas?
O debate do dia após o julgamento do ‘Adoção na Passarela’ deve ser, portanto, voltado para as ineficácias do Estado com relação às crianças e também para a omissão da Sociedade. Não adianta doar 50 reais ao criança esperança uma vez por ano. É preciso muito mais para resolver este problema do que este assistencialismo superficial, da mesma forma que é preciso mais do que um post do tipo crítico-construtivo nas redes sociais.
Do tribunal do feicebuqui, o herói-Ampara e a causa da Adoção não só saíram inocentes, mas contribuíram para apontar mais uma ferida aberta de nossa sociedade. Nós, que estamos engajados e dedicamos parte de nossas vida à causa, reiteramos o convite ao povo brasileiro a continuar os diálogos, mas, sobretudo, a participar efetivamente das soluções.